Autossuficiência é algo relativo, como a consciência, a liberdade, a invariância, as capacidades humanas. É relativo porque está em relação, não é descolada do mundo ao redor, do ambiente, da atmosfera, da gravidade planetária ou galática. Não está separada da vida, está em relação, é relativa à vida.
Autossuficiência é relativa à vida, ou melhor, às condições de vida. E quais são as condições de vida nas cidades? Também são relativas, relativas à consciência das pessoas, à invariância dos seus modos de viver e entender a vida, as condições de vida nas cidades são relativas às capacidades humanas de quem vive a cidade, de quem a pensa, sente, projeta, almeja, desenha, desenvolve, avalia, diagnostica. A autossuficiência das cidades está relacionada com a capacidade que temos de usar nossa consciência e liberdade para compreender o que varia, compreender a variedade de modos e lugares de vida, para diagnosticar o presente, avaliar o passado, almejar desenhar, projetar o futuro. Em relação ao presente, ao passado e ao futuro dos modos e lugares de vida é que desenvolvemos a autossuficiência das cidades, em relação ao ambiente, à atmosfera, em relação as coisas mais variantes e tamb’me às mais invariantes.
Cidades autossuficientes são, portanto, um ambiente feito de ambientes interligados, interconectados, capaz de encontrar, diagnosticar, projetar e desenvolver soluções mais inteligentes para a variedade de lugares e modos de vida que são possíveis nas cidades. As cidades podem prover suficiência para uma grande variedade de modos e lugares de vida, para alta qualidade de interagências, de interconexões dos múltiplos ambientes que são partes imanentes do seu mosaico. As cidades são, assim, ecossistemas que incluem e podem incluir enorme riqueza e diversidade de populações, de comunidades, de nichos, indivíduos, famílias, grupos, simbioses, cooperações.
E como diagnosticar e avaliar o grau de autossuficiência das cidades? Ora, sem receita pronta. Não somos peças mecânicas e nem os ambientes em que vivemos o são. Não há receiats prontas, mas há e podem haver indicadores de satisfação da qualidade de vida nas cidades, da capacidade que temos de construir suficiências. Alguns indicadores são simples, outros são feitos de múltiplas variáveis e maior complexidade, mas todos eles apontam para uma direção comum, que é a saúde do ambiente vivido, a saúde desse ecossistema que chamamos cidade. Alguns destes indicadores mostram a água, os alimentos, o ar, o som, a luz; são indicadores que falam sobre a qualidade, a quantidade, a disponibilidade e a acessibilidade da água, dos alimentos, do ar, do som, da luz. São componentes indispensáveis da vida de todos os seres vivos, incluindo os seres humanos, e precisam ser acessíveis e disponíveis em quantidade suficiente e sempre, sempre de excelente qualidade. Alimentos e água de excelente qualidade, disponíveis e acessíveis, ar, som, luz, igualmente. Outros indicadores são mais complexos, pos envolvem múltiplas variáveis encadeadas e indissociáveis. A segurança, a mobilidade, a educação, a cultura, a garantia dos direitos, são componentes também indispensáveis das cidades, e devem ser disponíveis e acessíveis em quantidade suficiente, porém a qualidade é mais sujeita a variações, porque varia conforme a necessidade dos grupos, das comunidades, das populações, famílias, indivíduos. Varia porque as pessoas somos diversos, diferentes, e assim há de ser. A disponibilidade, acessibilidade e quantidade devem estar garantidas, e a garantia da qualidade é construída na interagência das pessoas, porque a cidade é feita com as pessoas.
Outros indicadores aind referem-se ao ambiente construído, ao desenho das múltiplas interfaces das paisagens da cidade, como a drenagem, a iluminação, as moradias, a circulação dos ventos, dos veículos, dos pedestres, do som.
No último século o crescimento das cidades acompanhou os problemas derivados do desordenamento e da desatenção ao que importa, a saúde dos ambientes de vida. Em paralelo, cresceu em abrangência e profundidade a qualidade tecnológica das soluções para estes problemas. Ou seja, conhecemos melhor os problemas, compreendemos melhor o ordenamento e estamos atentos ao desenvolvimento das tecnologias de base ecológica para ampliar a autossuficiência das cidades. É possível assim afirmar que temos condições de produzir cidades autossuficientes em alimentos, em energia, em drenagem, em tratamento, reciclagem e destinação dos resíduos, com alta qualidade na educação, na cultura, na segurança, nas relações sociais, comerciais, ambientais, garantindo acesso e disponibilidade aos brupos e aos indivíduos para explorarem seu máximo potencial criativo em benefício de todos.